quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Santa Casa some com corpo de idosa enterrada no Cemitério do Caju - Por Jornal Extra - RJ - 20.02.2011

Funcionários da Santa Casa da Misericórdia — concessionária que administra 13 cemitérios da Prefeitura do Rio — sumiram com o corpo de uma mulher de 89 anos, enterrada em 1999, no Cemitério São Francisco Xavier, no Caju. Os parentes da idosa foram enganados ao exumarem seus restos mortais no ano passado, uma vez que, oficialmente, na mesma sepultura, havia sido enterrado um homem um ano antes, em 2009.

Tudo começou em 13 de novembro de 1999, quando Glória Gomes de Amorim, de 89 anos, que lutou anos contra um câncer, foi enterrada na sepultura tipo carneiro número 81.372, da quadra 81, no São Francisco Xavier. O sepultamento foi registrado na página 80 do livro 617.

Naquela ocasião, parentes de Glória adquiriram um nicho (gavetinha) perpétuo, para onde os restos mortais deveriam ser transferidos após três anos. Devido a problemas de saúde na família, a exumação só foi realizada em 1º de novembro do ano passado — quase 11 anos depois.

O problema é que, em 2 de março de 2009, foi enterrado na mesma sepultura o corpo de Kalil Santiago Quara, de 64 anos. O enterro foi registrado na página 94 do livro 663.

— Se em 2009 enterrei naquela sepultura o corpo do meu marido, como em 2010 o corpo de outra pessoa foi exumado? Com certeza o carneiro foi violado. Na última vez em que estive no cemitério, poucos dias após o Dia de Finados em 2009, a tampa estava cimentada e a sepultura, pintada com tinta óleo branca. E olha o estado de abandono agora — desabafou Maria da Graça Quara, de 81 anos, que foi casada com Kalil durante 43 anos.

No último dia 28 de janeiro, a placa de mármore — com o nome, as datas de nascimento e morte e a frase "Descanse em paz. Saudades de sua esposa, filhas, netos e familiares" — que deveria estar sobre a sepultura de Kalil, estava em cima da sepultura 81.371, onde também havia outra placa em nome de Conceição Vieira. Vendedor de carros, Kalil faleceu em 1º de março de 2009, vítima de enfarte.

— Perder um pai já é muito duro. Infelizmente, há pessoas que usam a dor das pessoas para ganhar dinheiro. Isso é o tipo de coisa que passa na TV mas nunca achamos que vai acontecer conosco — lamentou Samyra Quara, de 39 anos, filha de Kalil e Maria da Graça.

EXTRA encontrou os familiares que fizeram a exumação dos restos mortais que supunham ser de Glória, mas eles não quiseram dar entrevista.

Funerárias precisam pagar ‘gratificação’


Para reservar uma sepultura no Cemitério São Francisco Xavier, funerárias precisam pagar propina a funcionários da administração. Caso se recusem a pagar a "gratificação", as funerárias não conseguem enterrar os corpos no local.

— Atualmente, há mais corpos para serem enterrados do que sepulturas disponíveis. Por isso, alguns funcionários exigem das funerárias uma quantia além do preço do aluguel da sepultura, que é tabelado pela prefeitura. Essa quantia é apelidada de "gratificação" e varia conforme o tipo de sepultura — explicou um funcionário do cemitério, que pediu para não ser identificado por medo de represálias.

Para averiguar as denúncias, o repórter do EXTRA telefonou para o cemitério, passando-se por agente de uma funerária, para reservar uma sepultura tipo carneiro para o dia seguinte. A conversa foi gravada. Os nomes dos envolvidos foram omitidos.

— Meu nome é (...). Estou aqui na Funerária (...), sou funcionário novo. Eu queria reservar uma gaveta para amanhã — disse o repórter.
— Pra quem? — perguntou o funcionário.
— Antônio Francisco Lopes (nome do traficante Ném da Rocinha).
— Que horas?
— Três. Direto. Sem capela.
— A (...) te passou né? Gaveta dá R$ 100.
— Não. O quê?
— Fala com ela. Se for uma gaveta, dá R$ 100.
— Tá. Entendi. E dá o dinheiro aí na hora mesmo? Como a gente faz?
— É você que vem ou você vai mandar pelo rapaz que vai conduzir o... (rabecão)?
— Eu não tenho certeza ainda. Mas talvez eu vá.
— Então. Se for você, você vem e entrega ao (...) ou a (...). Se você não vier, você manda pelo motorista.

Além das irregularidades, é ruim o estado de conservação dos cemitérios administrados pela Santa Casa. Sepulturas quebradas, mato alto, lixo e entulho acumulado nos caminhos e falta de segurança são os principais problemas dos cemitérios.
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