quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Sobre Campo Mourão - PR - Por Tribuna do Interior

Histórias e mitos cercam cemitério

Walter Pereira

Quem nunca sentiu medo ou teve a leve sensação de um arrepio correr a espinha ao ouvir as sombrias histórias que acontecem entre os quatro cantos dos cemitérios? O local onde todos nos encontraremos um dia é sempre cercado de muitos mitos e mistérios. Os contos, reais ou não, sempre serão colecionados para serem contados por alguém. E no cemitério de Campo Mourão não poderia ser diferente. Tem coveiro que já viu desde bonecos vudu a filho desenterrar o pai e, acreditem se quiser, até uma cruz que já virou árvore.


A história do cemitério São Judas Tadeu começou oficialmente em março de 58, com o sepultamento de uma mulher. De acordo com os registros da administração, na região havia pelo menos outros quatro “campos santos”, que foram desativados em meados de 2005. Eles eram localizados no São Benedito, Piquirivaí e comunidades do KM 28 e 32. Em Campo Mourão, o primeiro cemitério a ser instalado no município foi no Lar Paraná. Ainda na década de 80, os corpos haviam sido todos removidos ao cemitério atual.

Atualmente, de acordo com informações da administração, há espaço apenas para mais 170 novas sepulturas no cemitério, ou seja, levando em consideração que em Campo Mourão morre uma média de 570 pessoas por ano, o local está com os seus dias contados. “É difícil estabelecer com certeza a quantidade de quantas pessoas ainda podem ser sepultadas. Muitos são enterrados junto de familiares”, explica o administrador João Maria Correa Gonçalves, acrescentando que até agora foram registrados oficialmente em torno de 19.586 sepultamentos.

Vandalismo

Em geral, os cemitérios por mais sombrosos que possam ser, são geralmente considerados espaços tranquilos, locais de paz. “Venho no cemitério toda semana para visitar alguns familiares e gosto da tranquilidade. A hora passa que nem vejo”, confirma a dona de casa, Fátima Herculano, de 38 anos.

No entanto em Campo Mourão, nem mesmo os mortos escapam da brutalidade dos vândalos, que destroem o local. Para se ter uma ideia somente nestes dois primeiros meses do ano, mais de 20 vasos já foram furtados, sem falar das inúmeras peças de bronze, que simplesmente desaparecem. “É difícil evitar. O local é muito grande e existe apenas um vigia para cada turno”, justifica Gonçalves, ressaltando que raramente alguma peça é recuperada.

A cruz que virou árvore

Fatos curiosos marcam a história do único cemitério do município. De acordo com o historiador Jair Elias dos Santos Júnior. Um destes mitos é a “Cruz de Cedro”, fincada no túmulo de Maria Silvério Pereira, esposa de Jozé Luiz Pereira. Trata-se da primeira pessoa que fixou, em definitivo, residência em Campo Mourão.

Por volta de 1905, Maria Silvério estava arando terra, quando então sofreu um acidente fatal. O cavalo que ela montava arrastou-o, agravando o seu problema abdominal. Os seus familiares fizeram a sepultura e colocaram uma cruz, feita de cedro.

Agoniado com a tragédia, Jozé Luiz resolveu ir embora para o Mato Grosso, onde estava seu irmão, Antônio Luiz Pereira. Com o passar dos anos, a cruz apodreceu, permanecendo somente seu tronco. Segundo os mais antigos, da terra do cemitério brotou vida e transformou a cruz de madeira em uma imensa árvore que está até hoje no cemitério.

Com o sepultamento de Maria Silvério, criou-se entre as famílias pioneiras o hábito de enterrar seus familiares no local. A história da cruz de cedro virou o conto “A cruz que virou árvore”, escrito pela historiadora Édina Simionato. (WP)

Jurandir, o coveiro que já viu ‘de tudo’


Pessoas mortas por apenas R$5, filho jogando lata de cerveja na sepultura dos pais, preservativos espalhados pelo cemitério, rituais de magia negra. Enfim, o coveiro Jurandir Ribeiro de Araújo, de 49 anos, que mantém o ofício há pelo menos 14, diz que já viu de tudo no campo santo de Campo Mourão.

“É lamentável você saber que alguém teve a coragem de matar uma pessoa por R$5. Fico pensando, como pode existir alguém assim. Já vi filho revoltado com o pai até no momento do enterro. Ele pegou a enxada da minha mão, abriu um buraco sobre a sepultura e jogou uma lata de cerveja dentro, enquanto falava palavrão contra o próprio pai”, conta o coveiro.

Preservativos no cemitério já cansou de encontrar. Além disso já encontrou rituais de magia negra, como bonecos espetados com agulhas, nomes de pessoas dentro de garrafas e até pequenos punhais enterrados na terra. "Quando encontro enterro tudo", comenta.

Ele relata até um caso inusitado, mas com tanto tempo no ofício e entendendo a dor da família encara com naturalidade. “Foi um dia em que estava sepultando o pai de uma moça e ela, inconformada, ficava me vendo como uma pessoa cruel. Dizia que o pai dela ia ficar sem ar embaixo da terra e que um dia alguém ia fazer daquele jeito comigo também”, conta ele, que diz não temer a passagem dessa vida. Evangélico, só se preocupa com uma coisa: alcançar a salvação eterna. “Só gostaria de ter a certeza da salvação. O resto não importa.”

Há tanto tempo enterrando gente, Araújo diz que já dividiu tristezas e derramou lágrimas junto a famílias. “Rapaz, tem hora que a gente não aguenta e chora junto. O meu trabalho me faz pensar na vida”, completa. (WP)

O retrato do descaso


Sepulturas em ruínas, carreadores na terra pura e sujeira, mas muita sujeira mesmo para todos os lados. Este é o estarrecedor retrato do São Judas Tadeu. Um dos locais mais visitados da cidade não oferece sequer o mínimo de estrutura aos visitantes. Atualmente, de acordo informações levantadas junto a administração, pelo menos 80% do cemitério não dispõe de asfalto. Os carreadores que estão com o que resta de malha asfáltica também estão bastante deteriorados.

A situação é ainda mais grave onde não tem asfalto. A erosão já começa a formar valetas entre os túmulos. De acordo com os próprios funcionários, quando chove o local fica praticamente intransitável.

A reportagem entrou em contato com o secretário de planejamento para saber se existe algum projeto de melhorias para cemitério, mas não o encontrou. (WP)

Há 28 anos idosa limpa e conserva túmulos

Um ofício nada comum e que, de certa forma, exige muita coragem. Afinal de contas não é qualquer pessoa que se dispõe a cuidar de túmulos. É arrepiador, ainda mais por se tratar de cemitério. Estamos falando de uma personagem real. Ela se chama Nair da Rocha da Silva, de 66 anos, que há pelo menos 28 anos limpa e conserva túmulos no cemitério. A idosa presta os serviços particulares e, por mês, consegue tirar algo em torno de pouco mais de um salário.

Dona Nair, como é mais conhecida, é uma senhora franzina, tímida, mas corajosa. Hoje ela é responsável pela conservação de pelo menos 60 túmulos no cemitério São Judas Tadeu. Há quase três décadas trabalhando ao lado dos mortos, ela afirma que nunca presenciou nenhum fenômeno estranho, muito menos se sentiu mal ou amedrontada por estar próxima aos defuntos. “Me sinto em paz”, sintetiza.

No entanto a zeladora faz uma ressalva, diz que a única coisa que a incomoda são as macumbas espalhadas pelos estreitos carreadores junto às tumbas. “Já encontrei velinhas coloridas de ‘saravá’ e até galinha preta morta”, revela.

Todos os dias, pelo menos desde que começou a trabalhar no cemitério, a rotina de Nair é a mesma: pegar no trabalho às 8 horas da manhã com parada às 6 horas da tarde. Ela diz que os pais, entre outros parentes estão sepultados no local e aproveita também para visitá-los.

Nair faz questão de ressaltar as inúmeras amizades já consolidadas no local. Além dela, pelo menos outras 10 mulheres aderiram ao ofício. A senhora lembra que hoje, boa parte da limpeza é feita por ela, mas que no futuro, quando também estiver no mundo dos mortos espera que outra pessoa continue a tarefa. “Não pode esquecer de limpar o meu túmulo também”, brinca. “Às vezes a gente brinca, mas é verdade”, completa com leve sorriso estampado no rosto tímido. (WP)
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